A IDADE QUE NÃO PEDE NADA!
Um texto de Filomena Vieira que é um "olhar" sobre a velhice num lar da Margem Sul onde participa num estágio de observação no âmbito da licenciatura em Animação Sociocultural do Instituto Piaget em Almada. Filomena Vieira é Auxiliar de Educativa e participou no atelier de escrita de 2008 promovido pelo Centro de Formação e Tempos livres (CFTL) em Coimbra.
E ali está aquela criatura. No princípio, tinha um ar diferente de quem não conhece o outro. Mas perguntei-lhe se queria água entre outras perguntas e percebi que sim. Não pedi a ninguém, fui eu mesmo buscá-la e dei-lhe, depois de perguntar se podia dar. Quase que só bebeu um golinho, mas bebeu. Deixei o copo na mesa para voltar a dar-lhe à boca como da primeira vez. Mas não quis mais. Ali se encontra caída para o lado direito do sofá e já não é capaz de se pôr direita. Precisa do apoio de alguém. Esse alguém chegou e endireitou-a. Mas ela sentiu uma dor no pescoço, do gesto. Ficou sentida, os olhos humedeceram.
Senti pena do seu sofrimento. Não disse uma palavra de protesto. A ajudante achou que não lhe fez mal. Massagei-lhe o pescoço um bocadinho. Agora, sinto que o seu olhar já me conhece. Dou-lhe uns intantes de atenção cumprimento-a com um beijo, toco-lhe na mão. O frio que traz no corpo assim como os outros idosos, impressiona e quase que arrepia. É isso mesmo, lembra o outro gelo...(...). Branca como um papel, estática como uma estátua. E ali passa o dia, onde lhe trazem a comida, pois não vai à mesa. Sempre no mesmo sofá castanho, côr da veste da partida para alguns costumes. Ocupam normalmente o mesmo lugar. É tão frágil a aparência de alguns, que não sei se os volto a ver.
Não perguntei por aquele senhor que usa algália que passeava pela terreiro do solar. Já é a segunda vez que não o vejo. Será que... mas não ouvi dizer nada. Talvez esteja no quarto onde não me parece que haja animação, pois para lá só fui no dia da apresentação. Então nesse dia vi um senhor que gritava num quarto sozinho nesse momento, mais alguém que recebia oxigénio, noutro quarto e várias camas feitas pertencentes a alguém que ainda vai sozinho para a sala, de bengala, ou de cadeira de rodas. No princípio estava um senhor deitado no sofá pois não podia estar de outra maneira. Ou estava na cama ou deitado no sofá da sala. Deve (?) estar no quarto.
Os que ainda podem já têm dificuldade em dar um laço nos brindes preparados para o jogo previsto para quinta feira santa.
Não sei como pintaram aquelas caixas de madeira e as peças de barro! Devagarinho lá vão.Não são obrigados a nada. "Matam o tempo" como dizem eles.
Queriam mais! Quando jogamos o bingo. Foram várias vezes de jogo. Fiquei admirada. Foi o meu dia de apregoar os números e na hora de me ir embora estavam dispostos a continuar. Boa! Hoje também acharam que os laços acabaram depressa.
As únicas palavras quase surdas daquela alvura de senhora foram: "Maria da Conceição" (a quem dedico este texto), e me olha com alguma confiança de quem já me viu várias vezes e sabe que pode contar. Pois sempre que chego pergunto se quer alguma coisa.
Também me disse que tinha fome depois de (segundo a funcionária) ter comido. Pode acontecer.
Não quero falar daqueles choros em alta voz, não no sofá castanho, mas por vários cantos da casa, nem dos que me pedem para ir para casa. Segundo o da semana passada, tinha quem o tratasse em casa. Encontrei-o desta vez com um penso na testa. Qual será a história disto?
Cada um cada história.Nenhuma igual à outra.
E porque é que aquele velhote o vejo sempre sorridente? Já passou para o outro lado? Para cá e para lá a passear sempre a sorrir. Mas afinal dá conta de jogar ao bingo.
E a minha avó? Ar moreno, cabelo branco, baixinha, faladora, bem disposta, apresentou-se toda vaidosa e disse que a filha ia lá. Então o meu colega perguntou-lhe:
A sua filha vem visitá-la?
Respondeu:
Não. Vem me ver.
Fiquei pensativa e já comentei isto com alguém. Acho que ela nem sabe ler ou sabe muito pouco. Mas tem sabedoria para nos pôr a pensar.
Ainda guardo o rebuçado amarelo que me deu.
Tantas histórias que faltam!
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