É através do trabalho que o ser humano ao longo dos tempos se socializou e desenvolveu. Tornou-se dependente do coletivo contribuindo para a construção da sociedade tal como hoje a
conhecemos. Esta evolutiva e qualitativa transformação desenvolveu e trouxe uma vida melhor para os humanos, sendo o fator principal para esse êxito o trabalho que passou a ser emprego remunerado. Esta realidade é hoje insubstituível porque é a base do crescimento societário, da organização familiar e também do desenvolvimento económico e social, atualmente existente e irreversível, porque já somos muitos e não poderemos voltar ao tempo das cavernas, da caça e da pesca.
Qual a razão porque estamos em crise? Será que esgotámos o modelo com que temos vivido? Ou será que já é tempo de repensar o atual conceito de trabalho e de desenvolvimento?
O atual poder económico desenvolveu um modelo de capitalismo baseado na lógica da lei selvagem “só vencem os mais fortes”. Fez isso ao distorcer a ideia do trabalho virtuoso e humanista desligando-o das necessidades reais dos cidadãos, por um outro de grande acumulação de riqueza e a um ritmo mais acelerado. Porque somente lhe interessa alimentar a lógica do seu sistema desprezando a virtude humanista e sustentada mas vai por um caminho que aponta a sua inevitável autodestruição. Optando sempre pela ganância do crescimento não se dá conta que está a tornar a vida num autêntico inferno gerando desemprego e exclusão em massa, retirando cada vez mais gente do direito ao trabalho e ao mesmo tempo excluí-la do acesso á produção e ao consumo.
Tomemos nota dos seguintes números em Portugal - o desemprego da população ativa, segundo dados oficiais, não corresponde á realidade em que se vive, de qualquer forma está nos 17,5%, destes a maior gravidade situa-se nos jovens com cerca de 38,3%. Tomemos isso no grosso modo para ser mais claro está em cerca de um milhão e meio de trabalhadores no total. Neste quadro não falamos nas situações de trabalhadores precários ou nos trabalhadores pagos a recibos verdes que são muitos milhares sem qualquer garantia de emprego nem de futuro.
Está referenciado num estudo da OIT que o desemprego e a precariedade, sobretudo a dos mais jovens têm ajudado a implementação de salários baixos, ao mesmo tempo que proporciona casos de dumping social e de trabalho não digno. Esta situação tornou-se na causa principal para a justificação da atual baixa de natalidade. Ainda num outro estudo recente foram analisados vários casos de jovens e de famílias já referenciadas que, por não encontrarem empregos, obriga-as a procurarem saídas através da emigração, deixando em aberto uma outra crise, a do abandono e do despovoamento que põe em causa a sustentabilidade e o futuro das terras e do sistema de segurança social. Este caminho em que vamos, sem novas políticas empresariais e legislativas e sem ofertas suficientes de trabalho, não permite um crescimento demográfico sustentado nem uma saída da presente crise económica e social.
Porque vamos no caminho errado? Porque não vemos que todo o crescimento tem limites, que o presente necessita de ser rapidamente repensado, pois todo o emprego está a ser afetado. A bem vinda automatização e as novas tecnologias, tal como a melhor organização do trabalho, estão a ser mal usadas e a afetar a manutenção e o crescimento dos empregos, apesar de trazerem mais economia para as empresas. Mas também existe uma parte nefasta, aquela em que ao se libertar dos trabalhadores provoca o desemprego estrutural e a exclusão.
Dizem que é sempre em nome da competitividade, numa corrida que não sabemos para onde vai, nem com quem estamos a competir e como vai esta corrida vai terminar. Ao contrário do que nos diziam não vemos nisto qualquer crescimento a não ser nos lucros das empresas e dos seus acionistas. Mas do mesmo os trabalhadores não beneficiam grande coisa, nomeadamente nos serviços não diretamente produtivos. Ao contrário do que se pensa hoje há redução de empregos e despedimentos, como no caso dos trabalhadores da função pública, os ligados aos cuidados da saúde, da educação, os dos processamentos de dados, os bancários, os da tradução, os das portagens, os diretamente produtivos etc. Isto mostra que o volume de emprego onde mais parecia estável está também posto em causa. Podemos dizer mesmo que quase nenhum setor escapa.
Temos assistido ao debate sobre qual é o lugar do trabalho nas sociedades pós industriais. As teses variam e são motivadoras de análises e paixões como Rifkim (1996) que considerava estar já próximo o fim do trabalho. No entanto outros há outros investigadores que defendem a continuidade do trabalho e da sua centralidade que está no saudável desenvolvimento, na prevenção das falências e do desemprego. É preciso mudar alguns dos atuais conceitos. O proprietário não tem o direito de usar a empresa no seu belo prazer como deslocalizá-la, despedir ou encerrá-la como uma coisa que só lhe diga respeito a si próprio e á sua vontade, assim como a gerir de forma danosa ou de má -fé.
Porque qualquer empresa tem obrigações sociais para com a comunidade e esta nada lhe deve, é a lei da reciprocidade e de interesses mútuos entre a comunidade e o empreendedor. Nas empresas deve prevalecer boas relações, cordiais e iguais entre ambos e deve ser exigida a participação democrática e respeitosa das leis e do direito. O mundo novo está cheio de oportunidades de desenvolvimento, pelo que não pode ser aceite que ao fator do trabalho se subordine toda a liberdade e direito do indivíduo, colocando-o como mera peça a funcionar ao ritmo do interesse exclusivo do económico empresarial.
João Lourenço-sindicalista e membro da CAT
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