EDUCAÇÃO POPULAR E INTERCÂMBIOS


«Culture et Liberté, Movimento de educação popular francês, implicou-se principalmente a nível internacional com os seus parceiros alemães, participando desde a sua origem, nos anos 60, em actividades do Office Franco-Alemão, para a Juventude (OFAJ). A ideia, à partida era de construir um futuro comum entre jovens alemães e franceses, que seria, com efeito, um espaço de aprendizagem intercultural, que além da juventude, serviria também de aproximação de adultos comprometidos, entre outros, a nível sindical operário. 
O Movimento Culture et Liberté estabelece também e guarda ligações perenes com o seu
parceiro português BASE-FUT a partir das suas origens comuns JOCISTAS. Uma das organizações francesas hereditárias da JOC e fundadora de Culture et Liberté, o CCO (em francês: Centre de Culture Ouvrière) e Centro de Cultura Operária (em Portugal) encontra-se muito próxima da associação fundadora de BASE-FUT . Quando aderi pessoalmente a Culture et Liberté (1974), não tomei imediatamente consciência destas ligações. Militava então num grupo de base de empresa, na Região Parisiense, que reunia militantes sindicais, e creio que grupos de base da escola, da saúde, mas não detinha uma atenção particular a um grupo específico de trabalhadores portugueses. 
E só descobri as ligações que unem as nossas duas organizações, vinte anos mais tarde, em 1994, quando participei num seminário internacional de Base-FUT - EZA, em Coimbra, onde descobri também o CFTL, Centro de Formação e de Tempos Livres, e a sua equipa à volta do Roque. No seguimento, representei Culture et Liberté em vários seminários internacionais, participei nos intercâmbios de jovens, e passei a organizar férias culturais em Portugal, para famílias francesas, e os ateliers de escrita bilingue. Propus o acolhimento de delegações portuguesas nos congressos e na universidade de Verão de Culture et Liberté e participei na montagem de projectos europeus, que infelizmente não tiveram êxito.

 EXPERIENCIA DE EDUCAÇÃO POPULAR 

 É experiência de uma quinzena de anos de parceria com a Base-FUT, onde se integra o meu amigo José Vieira e outros, que vos quero inteirar, o que farei o melhor possível. Começarei pelos limites destas intercâmbios, no desejo de ir mais longe no futuro. Para vos mostrar o interesse de ir mais longe, de seguida partilhar a riqueza destas primeiras pesquisas, desta educação popular intercultural, que nós vivemos, valorizando um processo informal, consciente. 
Mais do que aquisições de saberes, poderemos afirmar os valores comuns dos nossos dois movimentos. Enfim, procurarei convencer-vos da boa intenção do nosso empenho e do seu potencial, para uma verdadeira transformação social, pela via intercultural, compromisso para a qual nós devemos contar com a mobilização das nossas próprias forças e se torna necessário estabelecer uma verdadeira estratégia de formação dos nossos aderentes. A baixa participação dos membros das nossas organizações nestes eventos da parceria é ao mesmo tempo, um limite e um factor de desenvolvimento de nossas próprias dificuldades para mobilizar as nossas energias Quantas vezes encontrei-me só representando Culture et Liberté nos seminários de BASE-FUT, com a dificuldade de compartilhar um mínimo dos conhecimentos ou experiências adquiridas, com os meus colegas em França!... Outra limitação de que tenho sido frequentemente acusado pelos nossos “camaradas no país", é a falta de oportunidades e de perspectivas concretas para a acção, geradas a partir das nossas reuniões. O interesse e o valor dos conteúdos, a qualidade das trocas, as contribuições recíprocas, por conseguinte ricas, não chegam às nossas bases militantes. Estes também não têm consciência da riqueza destes acontecimentos, nos quais eles não participam. 
Os lugares disponíveis para essas actividades são geralmente limitados pelos recursos financeiros, mas isso não explica tudo. Existem, e podem encontrar, sem dúvida, outras maneiras mais participativas de cooperar. Deveríamos também observar de mais perto o que acontece por ocasião dessas trocas, no que se relaciona com a participação de cada um: o uso da palavra (os discursos), a tomado do poder, porque tal elemento é reconhecido com um título, um posto, uma função, um especialista. Isto levanta a questão individual do seu próprio lugar, da sua própria legitimidade para falar, para não mencionar as limitações inerentes de cada um para falar em público. Os métodos de animação, o tempo de preparação, antes da reunião ou encontro, a clareza de objectivos, a definição dos resultados esperados, a regulação e avaliação de cada um, tornam-se tão importantes quanto os conteúdos, considerados primordiais. Nos intercâmbios entre jovens nos quais participei, tanto do lado francês como do lado português, privilegiámos a via educativa, por vezes contra a corrente de uma solicitação meramente recreativa. 
Nesta perspectiva, mais uma vez, sinto a dificuldade de mobilizar mais os pais e/ou os jovens para os objectivos ligados ao intercultural. No quadro “acampamento de jovens”, com actividades desportivas e visitas culturais, vida em grupo, que reune jovens em férias, durante um período limitado, também encontro dificuldades dos jovens desenvolverem as suas relações internacionais. Tentámos uma outra forma de intercâmbio, para um período de três anos, com o mesmo grupo, mas as dificuldades de organização abortaram o projecto. Enfim, identificámos que os nossos métodos pedagógicos se encontravam estreitamente ligados aos valores culturais de cada país, pelo que tivemos de nos adaptar, entre adultos, a um outro enquadramento dos campos de férias, a fim de passar do "fazer em conjunto" para o "viver juntos" (jovens e adultos dos dois países). 

 EXPERIENCIA DE VIVER E APRENDER JUNTOS

 Estas experiências de “viver juntos”, muitas vezes foram limitadas pelo desequilíbrio entre os grupos (um número maior de franceses do que portugueses). O quadro lúdico das actividades permitiu aos jovens tomar consciência das realidades dos jovens de outros países, mas sem fornecer as chaves de uma leitura crítica da sociedade. Por outras palavras, temos muitas vezes participado, pela via desses intercâmbios, na formação do indivíduo (do adolescente ao adulto), mas pouco na perspectiva do futuro cidadão. Poderíamos, sem dúvida, ter ido mais longe na reflexão, na avaliação da nossa acção, para resolver algumas imperfeições. É necessário valorizar a nossa aproximação educativa, tanto mais que não temos os meios para competir com as ofertas puramente recreativas que se desenvolveram nestes últimos anos. De outra maneira, faltou-nos de uma parte e da outra, afirmar o nosso projecto comum de educação popular, ao contrário de uma aproximação puramente de acolhimento e de lazer.
 Face a essas limitações, há uma necessidade imperiosa de promover uma acção intercultural mais interactiva, mais resoluta. Para isso, podemo-nos apoiar na riqueza imanente destas trocas, e nos resultados obtidos nestas últimas experiências tentadas, há alguns anos, por alguns pioneiros oriundos das nossas duas organizações. Embora essa riqueza que encontramos no projecto de educação popular, não seja imediatamente visível, ainda assim, vou tentar desenvolvê-la. A primeira lição destas trocas, tal como eu as vivi, reside na distância do olhar trazido pelos participantes aos seminários, sobre os temas abordados. A “ida e volta” entre a experiência e as reflexões de uns e de outros permitem este distanciamento necessário, não apenas em relação à percepção da cultura do outro, mas como a compreensão da nossa própria cultura. Este elemento é também, em minha opinião, um excelente meio de tomada de consciência dos fenómenos sociais, para mais numa dimensão europeia.
 Cada temática abordada por ocasião dos seminários permitiu dar conta mais fina da centragem da sociedade em torno das questões do direito do trabalho, da saúde, da educação, da formação profissional, da cidadania... Se as temáticas foram muitas vezes demasiado extensas para definir o conjunto de eixos de trabalho concreto, elas atingiram geralmente os seus objectivos, ou seja a tomada de consciência sobre a manigância ou tramóia que as questões políticas levantam. A maioria dos seminários, aliás, terminou com declarações elaboradas em comum resultantes de um posicionamento colectivo, das delegações internacionais, das organizações participantes. É certo que o efeito dessas declarações não foi muito eficaz, enquanto tal, mas elas tornam-se interessantes na medida em que representam a concretização da compreensão comum do mundo no qual vivemos, por um grupo intercultural. Se as nossas duas organizações se encontraram neste tipo de compromisso deve-se, em parte, pela partilha no processo jocista de: Ver, Julgar e Agir. 
Nesses momentos de trocas, o ver, o julgar são compartilhados no seminário internacional, e o agir é remetido para mais tarde, para a própria realidade local de cada um. O espaço de acção e de reflexão encontram-se longe, o que os distancia desses encontros de militantes, particularmente dos mais activos. Para estes últimos, é um lugar de reflexão, um teatro para os intelectuais, que não serve para ser usado. Torna-se necessário, pois, trazer para esses encontros, outros interesses, outros conhecimentos interpessoais, com objectivos de realizações concretas, a fim de não criar um lugar elitista.

 EDUCAR POR UM PROCESSO INTERCULTURAL 

 Trata-se, de facto, "educar" os nossos militantes mais activos, e mais amplamente todo o cidadão voluntário, para um processo intercultural, podendo-se avançar algumas hipóteses que temos trabalhado nas nossas experiências, mais recentes. Acabamos de ver que a observação - “o olhar” do outro - permite ter um olhar mais crítico sobre a sociedade. Assim, no intercâmbio de jovens, pudemos constatar que as trocas permitiam trabalhar a abertura aos outros, a tolerância, mas também o auto-conhecimento, a auto-confiança e a auto-expressão. 
Os jogos, os métodos de animação, são os principais meios, mas o papel desempenhado pelos acompanhantes do grupo, é fundamental. A confrontação com os outros, revela a cultura do outro, mas também as limitações de cada um. Dos conflitos individuais ou colectivos, que emergem não devem ser ignorados, mas tratados colectivamente, afim de elucidar os problemas e de revelar os fundamentos, os valores, que eles incorporam. Por essa via que vamos para além da aceitação da diferença, na compreensão do outro. É assim, que no grupo, nas oficinas de escrita, se forma o núcleo das trocas onde podemos pôr em causa, uma vez por outra, as nossas práticas e progredir no nosso conhecimento intercultural. Para que isso seja realizável é necessário que cada participante tome o seu lugar no grupo. 
Cada um vai poder, na sua vez emitir e receber a escuta, escutando. Ao entrar neste objectivo, a língua, mesmo que continue a ser um factor limitador, não é mais um obstáculo. Trata-se então de multiplicar as ocasiões e os modos de troca. Insistimos em que nas nossas reuniões se instaure um tempo de preparação das refeições em conjunto, (entre os franceses e portugueses e de outras nacionalidades). Constatámos que esse momento informal, muito livre, mas com um objectivo preciso, era fonte de libertação das trocas interpessoais, onde nos podemos entender com poucas palavras, com gestos. Não há necessidade de se expor, através de ideias, de palavras, pois se "quebra facilmente o gelo" em torno da gastronomia de cada país. O desejo de conhecer o outro rapidamente, torna-se um motor da dinâmica do grupo.»

Christian Lefeuvre Culture et Liberté – Garonne (Toulouse) Testemunho retirado do Caderno das Edições BASE «FORMAR E AGIR-A aventura do desenvolvimento um desfio permanente»

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