«É reconhecido que os Movimentos Operários da Acção Católica (Liga Operária Católica e Juventude Operária Católica), salvo num ou outro período da sua existência, não limitaram a sua actividade, como almejado pelo regime e pela quase totalidade da hierarquia da Igreja, ao apostolado meramente religioso, tendo-se empenhado, nos limites estreitos da esfera de ação social que lhe era concedida, à defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores, o que, por vezes, provocou conflitos, alguns graves, entre o regime salazarista e o Cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira.
O agravamento da situação de vida dos trabalhadores e, contrariamente à posição adoptada por certos sectores do catolicismo social, a passagem do salazarismo ao caetanismo, não despertou nos fundadores da Base qualquer tipo de expectativa de mudança dos fundamentos e das opções do regime político. Para eles era evidente que Marcelo Caetano se regia pelos mesmos princípios e práticas do ditador que amordaçou o povo português durante decénios.
A existência de um cada vez maior número de dirigentes e militantes consciencializados da inevitabilidade do dever de, por coerência, participarem na luta pelo derrube do cada vez mais desacreditado regime político, reconhecida que estava a impossibilidade de este se regenerar, exigia que fossem encontradas formas organizativas que possibilitassem a mobilização e enquadramento de outros militantes para uma intervenção política. Exigência que se tornara mais vincada em consequência da ação desenvolvida pelo Centro de Cultura Operária (CCO), porquanto formandos e aderentes confrontavam os seus dirigentes, formadores e animadores - sobre o que e como fazer - em ordem à transformação da situação vigente, questão à qual o CCO, dada a sua dependência da LOC, por razões estatutárias, não podia dar uma resposta consequente.
Foi, pois, neste contexto social, político e religioso que um pequeno núcleo de dirigentes e ex-dirigentes, masculinos e femininos da LOC e da JOC, pesados os riscos, superados medos e receios, decidiu contactar outros dirigentes e ex-dirigentes dos Movimentos da Acção Católica Operária com o fim de criar um Movimento político clandestino de trabalhadores católicos. Na sequência das adesões verificadas, foi decidido avançar para a realização de uma reunião fundadora do Movimento que viria a ficar conhecido por BASE.
Na reunião Fundadora que teve lugar em Lisboa, em Novembro de 1967, na sede da Associação de Planeamento Familiar, participaram os dirigentes e ex-dirigentes dos Movimentos da Acção Católica Operária: António Macieira Costa, Eduardo Silva Pereira, Manuel Bidarra de Almeida, Fernanda Patrício, Fernando Abreu, João Gomes, Maria Elisa Salreta, Maria da Natividade Cardoso, Palmira Lopes, Vitória Pinheiro, tendo os padres Jardim Gonçalves e José Carlos Silva e Sousa, celebrado a Eucaristia após o encerramento da reunião.
Em 1969, o Manuel Bidarra demitiu-se após ter aderido à SEDES, e no seu regresso da guerra colonial, em 1970, o Cesário Borga integrou o Núcleo Fundador. Discutidos os Princípios e Objetivos, foi decidido, por unanimidade, fundar um Movimento clandestino de luta e organização de trabalhadores, autónomo e independente de partidos e credos, com o objectivo de, pelo pensamento e a ação, em cooperação com outras Organizações e Movimentos, reforçar a luta contra o regime político vigente e contribuir para a edificação de uma sociedade democrática respeitadora dos valores, interesses e direitos dos trabalhadores e do povo em geral. Consensualmente foi estabelecido que, não obstante a origem católica dos fundadores, o Movimento não teria carácter confessional, manifestando-se aberto à participação de trabalhadores de outros credos e origens.
No respeito pela independência e autonomia dos Movimentos Operários da Acção Católica dos quais os Fundadores do novo Movimento eram ou tinham sido militantes e/ou dirigentes, assumiram, a título pessoal, a responsabilidade da ação a desenvolver. A opção de enveredar pela luta política clandestina, em regime ditatorial, nunca é uma opção fácil, pelo que deve evidenciar-se que a mesma foi imposta pela situação social e pela política fascista, caracterizada pela repressão de todas as formas e meios de pensamento e acção contrárias aos cânones do Estado Novo.
Ao contrário do que possa ser pensado, a opção não foi tomada de ânimo leve, porquanto sendo os fundadores do Movimento, na sua maioria, trabalhadores dependentes, alguns dos quais com família constituída, estavam conscientes dos perigos que estavam a assumir. O Movimento que viria a tomar o nome de BASE foi criado com objectiva finalidade política. Porém, dado o seu carácter de classe, assumiu, desde a sua fundação, a promoção cultural dos trabalhadores, a formação e a ação sindical como pilares basilares da luta em prol da liberdade, e da defesa e promoção dos interesses e direitos dos trabalhadores....»
(Do livro sobre os 40 anos da BASE-FUT que vai ser lançado em Novembro)
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