QUAL A MELHOR MANEIRA DE COMBATER A POBREZA?

Porque é que o Rendimento Básico Universal não é a melhor medida para reduzir a pobreza ou as desigualdades de rendimentos.

Por Vicente Navarro*

Não existe uma interpretação consensual sobre o que é Rendimento Básico Universal (RBU). A definição mais simples será que o RBU é uma medida pública em que o Estado (seja a que nível for – local, regional ou nacional) transfere para todos a mesma quantidade de dinheiro (normalmente equivalente ao nível de rendimento que corresponde ao limiar de pobreza de um país).
Entre os apoiantes mais antigos de transferências públicas de dinheiro para todos (embora não usando exatamente esta terminologia), estão pensadores pertencentes à tradição liberal. Estes opõem-se às correntes políticas baseadas nos movimentos operários - como os partidos sociais-democratas – que eram favoráveis à implementação de transferências públicas de rendimento (pensões, subsídio de desemprego, abonos de família, etc.) e de serviços públicos (cuidados de saúde, educação, cuidados domésticos e habitação pública). Os liberais, por seu turno, propunham dar dinheiro aos indivíduos para que estes tomassem conta de si próprios através do mercado, sob o princípio da liberdade individual e de oposição à interferência do Estado nessa liberdade. Por exemplo, a proposta recente do governo finlandês – uma aliança de cariz conservador e liberal – de proporcionar a todos um rendimento parece ter origem nesta orientação liberal.

Será o RBU necessário porque não haverá empregos suficientes para todos no futuro?

Mais recentemente, tem sido feito uma defesa do RBU baseada no receio de que o desenvolvimento tecnológico – robots e avanços semelhantes – venha a reduzir dramaticamente o número de empregos disponíveis. O “futuro sem trabalho” justificaria assim a necessidade de substituir o trabalho pelo RBU dada que não haverá empregos suficientes para todos.
Todavia, esta hipótese ignora que, historicamente, nunca houve uma relação entre tecnologia, produtividade e emprego. O enorme crescimento da produtividade que ocorreu desde os tempos de Keynes não reduziu o número de empregos existentes nem número de trabalho de cada trabalhador. A previsão de Keynes é bem conhecida: ele defendia que, devido ao incremento na produtividade do trabalho, a semana de trabalho no início do século XXI teria apenas dois dias e não cinco. No entanto, continua a ser de cinco dias. O potencial para a redução do número de empregos e do tempo de trabalho existia e continua a existir. Mas nunca se realizou.
A razão para tal é fácil de ver: são as variáveis políticas (o poder das organizações de trabalhadores) mais do que as variáveis económicas (a produtividade ou a inovação tecnológica) que são as principais determinantes das horas e dias de trabalho. O impacto das mesmas tecnologias sobre o emprego depende das relações de força entre trabalho e capital em cada país. Mais ainda, as necessidades humanas têm crescido de forma continuada. O desemprego não acontece porque a necessidade de trabalho tenha desaparecido.
A Europa do Sul é o exemplo acabado disto. O elevado desemprego nestas sociedades tem pouco a ver com a tecnologia económica ou com a ausência de necessidades humanas. Pelo contrário, é devido ao enorme poder que as forças conservadoras têm historicamente nestes países e à sua influência sobre o Estado. O desemprego aqui é o sinal de uma enorme fragilidade das organizações de trabalhadores.

Será o RBU o melhor instrumento para reduzir a pobreza?

Que o RBU iria reduzir a pobreza não oferece discussão. Se uma pessoa vive na pobreza e não tem um emprego, o RBU proporcionar-lhe-ia o dinheiro necessário para que não vivesse na pobreza. Parece assim razoável assumir que o RBU reduziria a pobreza. Mas a questão não é se vai reduzir a pobreza mas antes se esta é a melhor ou a pior maneira de o fazer. E aqui as provas são extremamente claras: o RBU não é a melhor forma de reduzir a pobreza.
Se olharmos para os países europeus que foram mais bem-sucedidos a reduzir a pobreza – como a Suécia ou a Noruega, os países que, após a II Guerra Mundial, durante mais tempo foram governados por partidos sociais-democratas – nenhum tem um RBU. Todos têm uma combinação de programas relativos ao trabalho, transferências sociais relacionadas com condições específicas e rendimento mínimo garantido (não para todos, mas para os que estão em risco de pobreza). O rendimento mínimo garantido é normalmente mais elevado do que o proporcionado por um RBU, porque o seu principal objetivo é manter o rendimento próximo do nível de vida da população trabalhadora. O sucesso destas experiencias explica porque é que a maioria dos partidos originários do movimento operário têm seguido esta via social-democrata tradicional. As evidências são fortes: a consolidação destes programas é mais eficaz na redução da pobreza e menos dispendiosa do que o RBU.
Porque deveríamos gastar tanto em proporcionar dinheiro para todos quando precisaríamos de muito menos (cerca de 70 vezes menos em termos de percentagem do PIB) para reduzir a pobreza pagando um rendimento mínimo garantido àqueles que estão risco de pobreza e possibilitando-lhes a saída da pobreza também por outros meios? Em vez de dar dinheiro a todos, porque não ajudar os pobres a saírem da pobreza, não apenas dando-lhes dinheiro, mas também ajudando-os a saírem da situação em que estão? A pobreza é mais do que a falta de dinheiro.

Será a RBU a melhor medida para redistribuir o rendimento?

Uma situação semelhante levanta-se quando se pondera se o RBU é a melhor medida para reduzir as desigualdades de rendimento. Novamente, o RBU produzirá certamente algum tipo de redução de desigualdades. Mas há formas mais eficazes de reduzir as desigualdades, como os dados claramente demonstram. Podemos ver que os países com menores desigualdades têm sido aqueles – como os países Escandinavos de tradição social-democrata – que conseguiram alcançar essa redução através de políticas fiscais e redistributivas e de intervenções no mercado de trabalho.
As variáveis mais importantes para a redução das desigualdades de rendimento são políticas e baseiam-se, mais uma vez, no estado das relações capital-trabalho em cada país. Em países em que as organizações de trabalhadores são fracas, as desigualdades são grandes. É por essa razão que as desigualdades de rendimento têm crescido de forma tão dramática em muitos país, em ambos os lados do Atlântico Norte (América do Norte e Europa): as organizações de trabalhadores são cada vez mais fracas. Em consequência, o rendimento do capital tem crescido muito mais rapidamente do que o rendimento do trabalho. De facto, uma das principais causas de desigualdade tem sido o enorme crescimento da concentração de riqueza (propriedade gerando rendimento). Neste contexto, a correção das desigualdades com base no RBU (em que cada indivíduo recebe o mesmo valor) é gritantemente insuficiente.
Os partidos que defendem a redução das desigualdades não se devem concentrar na sua redução através do RBU mas antes numa combinação de políticas fiscais e redistributivas e de intervenções no mercado de trabalho destinadas a aumentar a percentagem do rendimento total atribuída ao trabalho à custa da percentagem atribuída ao capital – como, de resto, a maioria dos partidos progressistas já fazem.
Uma observação final: a crescente fraqueza das organizações de trabalhadores explica a enorme degradação do mercado de trabalho, onde um terço da força de trabalho (quase metade na Europa do Sul) se encontra situação precária – uma das principais razões para o crescimento da pobreza e das desigualdades de rendimento. Acreditar que o RBU é a solução (ou parte da solução) para o que tem sido designado como “precariado” é ignorar as causas ativas da degradação do mercado de trabalho, causas que permanecem intocadas pelas medidas de RBU. Este “permanecem intocadas” foi a principal razão pela qual os pensadores liberais se centraram no RBU. É que é impossível resolver os problemas do trabalho precário e do precariado sem mexer na relação de poder – tanto no Estado como no mercado de trabalho – entre capital e trabalho.



Tradução do inglês para a BASE-FUT por Pedro Estêvão.

*Vicente Navarro é cientista político e economista. É professor de Políticas Públicas na Universidade Pompeu Fabra em Barcelona, Espanha e também de Políticas Públicas na Universidade John Hopkins, Baltimore, EUA. Tem escrito de forma prolífica sobre a economia espanhola e o seu 

1 comentário:

joão Lourenço disse...

Porquê confundir modelos de sociedades e países diferentes e em tempo diferente.
Há países riquíssimos com muito petróleo e rendimentos cheios de pobres, porquê?
Alguém pensa que no modelo capitalista haverá uma distribuição de riqueza, ou que este não prefere quer haja desemprego e baixos salários? Que permitam que a pobreza que criam constantemente acabe? Com ou sem rendimento básico universal ou outro.
Quem pensa que vai haver emprego para todos no novo contexto do desenvolvimento tecnológico e da robótica vamos fazer o quê quando hoje há já uma grande dificuldade é em vender tudo o que fabricamos e produzimos quer sejam bens ou serviços. É preciso contar com cada vez mais países a produzir e a querer exportar para o resto do mundo.
A Globalização nos mostra que isto está a mudar e que é preciso ver e agir e não combater o novo desenvolvimento com mais do mesmo.