CARTA AO CARDEAL DE LISBOA-Em defesa dos pobres e marginalizados!


Pardilhó, 26 de Março de 2008

EXCELENTÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR CARDEAL PATRIARCA D. JOSÉ POLICARPO


Permita que dirija a V.a Rev.a algumas palavras de reflexão em época pascal, a mais importante da nossa liturgia.

No dia de Páscoa, são abençoados os nossos lares e é anunciado o Cristo ressuscitado, e nós, cristãos, acreditamos nesse milagre fundamental para a nossa fé, pois se assim não fosse, diz-nos S. Paulo, a nossa fé seria em vão. A Páscoa é uma celebração que se segue a um período de conversão e mudança, a começar por nós próprios e implicando compromissos relativamente aos nossos irmãos, crentes ou não.

O compromisso alargado com toda a sociedade leva-nos, assim, a tentar perceber até que ponto a Páscoa acontece, ou não, nesta sociedade que insiste em caracterizar-se como culturalmente cristã. E se nós dizemos que Cristo ressuscitou, a verdade é que sinais em sentido contrário se vão manifestando.

Neste País, a pobreza acentua-se em consequência de políticas governamentais economicistas de cariz neoliberal, geradoras de enormes desigualdades sociais, de longe as mais acentuadas em toda a Europa, e só ultrapassadas nos EUA. O desemprego atinge numerosas famílias e o trabalho precário já é encarado como uma situação normal de emprego.

O medo faz com que muitos empregados aceitem todas as regras impostas pelos empregadores, por mais injustas que sejam. E então vemos as superfícies comerciais (e não só) em pleno funcionamento ao Domingo, e também no dia de Páscoa! Aqui, Cristo ainda não ressuscitou. Para estes trabalhadores, e para muitos outros, vítimas de toda a espécie de injustiças, Cristo continua a ser crucificado. E com a participação e cumplicidade de alguns de nós.

Na missão de que a Igreja se encontra investida, de instaurar um novo Reino de Fraternidade, de Paz e de Justiça, nós, movimentos católicos, sabemos ter um papel importante. E esperamos que a Hierarquia nos apoie e assuma, também, o protagonismo que lhe cabe perante as entidades políticas e os detentores do poder económico. É uma missão que tem de ser assumida diariamente até que esse Reino esteja implantado, de facto.

Entretanto, são poucos os que, no terreno, e segundo o princípio da subsidiariedade, se vão esforçando por contrariar políticas desumanizantes. Os movimentos católicos vão fazendo alguma coisa, através da promoção dos valores cristãos e do exercício da cidadania. Os sindicatos também, nomeadamente a conquista do reconhecimento, há poucos anos, do dia de Páscoa como feriado. Mas, porque quase abandonados à sua sorte os primeiros e denegridos os segundos, não se obtêm os resultados que desejamos.

Será que os trabalhadores vão ser oferecidos de barato a este sistema neoliberal, de filosofia individualista e gerador de desigualdades sociais? Será que a pastoral operária das paróquias do tempo dos meus pais não passou de uma moda da qual quase não restam vestígios? Será que o Domingo vai desaparecer para a maioria dos portugueses como o dia dedicado ao culto, ao descanso, à família? Como vamos reagir ao projecto de manter as grandes superfícies (as novas catedrais!) abertas ao Domingo?

Pergunto, por isso, se ainda podemos ter esperança no renascer de uma pastoral que dê voz aos pobres, aos humildes, aos marginalizados, aos ofendidos nos seus direitos e na sua dignidade. Porque nem todos estão na condição dos professores que, no meio do seu infortúnio, ainda têm cultura, formação e espírito solidário para se fazerem ouvir.

São de grande interesse e oportunidade os documentos emitidos pela CEP, quantas vezes em defesa dos pobres e marginalizados. Mas esses pobres e marginalizados não chegam nunca, salvo raras excepções, a ter conhecimento dessas iniciativas nem do seu conteúdo. Parece-me necessária uma pastoral orientada pelo valor da fraternidade, e no sentido de dar a iniciativa e protagonismo aos pobres, que talvez tenham muito a ensinar-nos. Ou correremos o risco de construir uma paz podre. O Espírito Santo certamente nos auxiliará a desempenhar a missão que nos cabe e à qual não poderemos furtar-nos: “A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós”.

Resta-me afirmar que continuo com esperança. Espero nesta Igreja nascida no Pentecostes, universal (hoje poderíamos dizer “global”), para o bem deste País e de todo o Mundo. Acredito na Fraternidade e na Paz que Cristo nos deixou.

E com essa esperança apresento os meus melhores cumprimentos, humildemente pedindo a Vossa bênção.

JOAQUIM BRITO MESQUITA
(Membro da Comunidade paroquial de S. Pedro de Pardilhó/AVEIRO,
Militante de base da LOC/MTC grupo “Caminhar”, Cacia/AVEIRO)

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