A IGREJA CATÓLICA E A POBREZA-Carta de um dirigente sindical


Um texto significativo que aponta questões importantes neste contexto de crise económica e social:

PARDILHÓ, 8 de Março de 2009


EX.MO E REV.MO SENHOR PRESIDENTE DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA,
D. JORGE ORTIGA

É com profundo respeito que escrevo esta mensagem tanto mais por V.a Rev.a ter já manifestado, em resposta a anterior mensagem, abertura e sintonia relativamente às preocupações manifestadas. É por isso com sentimento de esperança que acredito mais uma vez ser ouvido.
Esta decisão de me dirigir a V.a Rev.a foi tomada depois de ter ouvido na comunicação social o pedido de colaboração e ajuda que o Secretário Geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, fez à Igreja neste período de crise, que é real e vem agravando a situação de muitos portugueses, quantos em situação dramática.

Ouvi também a resposta a esse pedido, e que foi no sentido de afirmar que a Igreja está atenta aos problemas e à realidade social que caracteriza o nosso País. Acredito sinceramente que sim. Isso mesmo é confirmado pelos documentos da Igreja, nomeadamente as cartas da CEP, que expõem claramente a preocupação com a dignidade humana.
Essa preocupação manifesta-se também na acção socio-caritativa, concretizada por várias estruturas e instituições tuteladas pela Igreja e que exercem uma actividade indispensável a vários níveis, entre as quais o alívio a situações de indigência e sofrimento. Neste aspecto, a Igreja faz o que deve ser feito, “porque o ser humano, além da justiça, tem e terá sempre necessidade do amor” como assinala Bento XVI na sua encíclica Deus Caritas Est nº 29. Desta forma se vai concretizando o Reino e segundo critérios orientados pela caridade cristã.

É por isso um sinal importante que alguém peça ajuda à igreja. E, por vir da área laboral, deve merecer reflexão. Porque se a acção sócio caritativa tem expressão efectiva, o mesmo não acontece a outros níveis da vivência social. A maior parte dos cristãos não tem a consciência de que o facto de serem baptizados os compromete na missão evangelizadora como sacerdotes, profetas e reis. Se vão participando na liturgia, ignoram a missão profética e a luta pela justiça: “Há um paradoxo que atravessa a relação da Igreja portuguesa com a pobreza: é inegável que a Igreja se preocupa com os pobres e está na primeira linha da ajuda directa aos pobres. Mas enquanto faz isso, tem um défice manifesto em tudo o que se refere à denúncia dos processos de empobrecimento, das situações de injustiça na génese da pobreza e na formação da consciência dos cristãos acerca dos mecanismos da desigualdade e da exclusão” (MANUELA SILVA, Público, 10out99).

Assim, ao limitarmo-nos a assistir e corrigir as situações mais dramáticas, acabamos por aceitar um tecido social com clivagens acentuadas, onde os pobres, em permanente crise, são obrigados a gerir a sua miséria, enquanto alguns vão continuando a gerir a sua fortuna. Desta forma, a situação tende a eternizar-se e a reproduzir-se.
Neste contexto, devemos dar atenção especial ao factor trabalho, na medida em que, frequentemente, aparece como mecanismo gerador de injustiça, alienante e desestruturante. Condicionando toda a vida humana, é eleito como valor fundamental e central, como fez Sarkozy, ignorando que “o homem é o autor, o centro e o fim de toda a vida económico-social” (GS 63). É uma realidade enformada de tirania e redutora do homem a um instrumento de produção, afastado dos meios e dos objectivos dos resultados do seu esforço que, de facto, são administrados preferencialmente não em função do bem comum, mas em função de estratégias financeiras e de jogos de poder. O resultado é a redução de parte da humanidade à condição de escravatura e outra à situação de miséria, fome e até morte. Foi-nos dada a tarefa de crescer e dominar a terra, não a de domínio de uns sobre os outros.

É então necessário incentivar o compromisso social dos cristãos na libertação integral do homem, e já neste mundo (JM 36). De facto, “a acção pela justiça e a participação na transformação do mundo aparecem-nos claramente como uma dimensão constitutiva da pregação do Evangelho” (JM 6). É necessariamente uma missão de carácter profético, na medida em que implica um espírito crítico face às injustiças e o anúncio de um projecto social que procure identificar-se com o Reino anunciado por Deus.

Os caminhos e as ferramentas existem. A Doutrina Social da Igreja é um instrumento importante como luz para a acção, sobretudo porque é o midrash da Palavra inspirada e em especial da Boa Nova da libertação e da salvação, que a pode ajudar a ser mais viva e actuante. Mas se a acção carece de agentes, ela permanece inoperante, como luz debaixo do alqueire. Isto significa um défice na sua aplicação, até porque parece haver uma cortina que impede a sua divulgação para as comunidades locais e de base.

Só uma nova pastoral catequética, inserida numa nova e adequada evangelização, poderá encorajar os cristãos à participação na construção de uma sociedade mais justa, onde estruturas adequadas sejam sinal de esperança para quem se sinta ameaçado por processos e estruturas de injustiça e de marginalização. Considero por isso importantes linhas de orientação catequética as exortações finais da Carta de V.sa Rev.a apresentada na Bíblica de Março-Abril 2009.

A Igreja não está vocacionada para resolver ela mesma os problemas sociais. Mas, no seu seio, existem organizações, como os Movimentos da Acção Católica, que devem ser apoiados e potenciados na sua missão. Por outro lado, porque o Espírito sopra onde quer e como quer, a colaboração com outras organizações exteriores à Igreja é fundamental para a transformação do mundo, em especial quando demonstram vontade de aproximação. E a Igreja deve ver aí a oportunidade de, por um lado, potenciar a missão profética e real e, por outro, estabelecer o diálogo e enformar pessoas e organizações com os seus valores e os seus princípios de acção.
Volto a afirmar a minha Esperança numa Igreja com uma preferência especial pelos mais fracos e marginalizados, actuante e coerente, pois “o homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres ou então se escuta os mestres é porque eles são testemunhas” (EN 41). Afirmo a minha Fé no Cristo morto e ressuscitado, o “Profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo” dos discípulos de Emaús; e que havia sido condenado por proclamar a salvação universal no templo de Jerusalém. Acredito na conversão que nos conduz à Caridade e à utopia da fraternidade universal, proclamada pelo nosso Mestre e Senhor.

Em espírito de fraternidade universal, que começa no nosso próximo, podemos então abençoar e sentirmo-nos abençoados com aquela bela oração do AT: “O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te favoreça! O Senhor volte para ti a sua face e te dê a paz!”.

Apresento os meus melhores cumprimentos, humildemente pedindo a Vossa bênção.

JOAQUIM BRITO MESQUITA
Membro da Comunidade Paroquial de S. Pedro de Pardilhó / Aveiro
Militante LOC/MTC e Base F.U.T.
Operário da indústria da alimentação / delegado sindical

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