O NUNO MARCOU GERAÇÕES DIZEM OS DEPUTADOS!

Texto do voto de pesar da Assembleia da República:
«Em 1948, um grupo de jovens arquitectos, entre os quais Nuno Teotónio Pereira, revoltou-se contra a imposição pelo regime salazarista de um estilo “nacional”. E partiram, sob o impulso de Keil do Amaral, à descoberta da arquitectura popular, procurando um saber antigo e essencial, onde as formas habitadas nascem da relação entre o homem e o meio. Mais de meio século depois, escrevia Nuno Teotónio, a liberdade de expressão arquitectónica continuava ameaçada, já não pela ditadura política, mas pela “ditadura do mercado”.

 A sua obra!
Traço essencial da sua obra é o facto de ter conferido absoluta prioridade à dimensão social da arquitetura e à arquitetura como um serviço à comunidade. Foi um dos pensadores estratégicos do SAAL. A habitação social sempre ocupou lugar central no seu trabalho, com destaque especial para os projetos dos Olivais Norte, que elaborou com Nuno Portas e Pinto de Freitas e diversos projetos por todo o país, de que foi responsável como consultor de Habitações Económicas na Federação das Caixas de Previdência. 
Trouxe para Portugal, nos anos 40, a Carta de Atenas, bandeira do movimento moderno, que era naturalmente mal visto pela ditadura. Na sua arquitectura, sobressai o cuidado com o lugar central da convivialidade e do encontro, de que é exemplo especial o Bloco das Águas Livres (em conjunto com Bartolomeu Costa Cabral). Foi igualmente um nome cimeiro do movimento de renovação da arte religiosa, marcado pela imbricação do espaço do sagrado na praça pública, como se vê na Igreja do Sagrado Coração, em Lisboa, que desenhou com Nuno Portas.
Acompanhava com grande atenção e perspicácia as transformações do território, não hesitando em fustigar as desordens geradoras de desigualdade social, desde os realojamentos forçados no vale de Alcântara em 1966 às distorções do mercado imobiliário no final do século XX, o escândalo dos fogos devolutos e o desordenamento e degradação das cidades. Reclamou medidas públicas para o fim das barracas, prioridade à reabilitação urbana e ao transporte público, primazia do peão no espaço público, medidas fiscais severas contra o abuso do direito de propriedade. Em 2015 continuava a dizer que o grande desafio para os arquitectos de hoje era o problema da habitação.
Formou o primeiro atelier em 1949 com Chorão Ramalho, Alzina de Menezes e Manuel Tainha. Em 1954, o atelier instala-se na rua da Alegria, em Lisboa, e de certo modo transforma-se na verdadeira escola da arquitectura de Lisboa, alternativa ao ensino tradicionalista da ESBAL. Por ali passaram grandes nomes, de Nuno Portas, Bartolomeu Costa Cabral e Pedro Vieira de Almeida a Gonçalo Byrne, Duarte Nuno Simões, João Paciência ou Pedro Botelho. Deixou profunda marca em todos quantos com ele trabalharam, embora estivesse sempre a dizer que o mérito era todo alheio e nunca de si próprio.
Defensor incansável da responsabilidade social dos arquitectos, batalhou pela sua organização profissional, desde o velho Sindicato Nacional dos Arquitectos à Associação dos Arquitectos Portugueses e mais tarde à Ordem dos Arquitectos, tendo encabeçado em 2003 a primeira iniciativa legislativa de cidadãos em Portugal, sob o lema “Direito à Arquitectura”.
Nuno Teotónio Pereira foi também um católico progressista. Não é possível fazer a história do catolicismo progressista em Portugal sem pôr Nuno Teotónio Pereira no centro dessa outra rutura. Com uma coragem admirável e com uma capacidade invulgar de organizar coletivos, Nuno Teotónio Pereira interpretou empenhadamente as transformações operadas no contexto do concílio Vaticano II e contribuiu para o distanciamento crítico de católicos/as para com o regime de Salazar e para a presença pública de católicos/as na oposição à ditadura e à guerra colonial. O seu papel crucial nas vigílias pela paz na Igreja de S. Domingos, em 1969, e na Capela do Rato, em 1972 e na criação e dinamização dos cadernos GEDOC foram marcos particularmente relevantes desta dimensão da sua vida.

Opositor da ditadura!

Nascido numa família de grande pluralidade política, Nuno Teotónio Pereira foi um opositor tenaz e coerente do regime fascista. A criação, em 1963, do “Direito à Informação”, boletim clandestino que difundia notícias sobre a guerra colonial, a sua participação na Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, ou o seu envolvimento militante no Boletim Anti-Colonial e, em geral, toda a sua atividade de luta contra a repressão e a ditadura valeram-lhe a prisão pela PIDE em 1967, 1972 e 1973, de onde foi libertado nas horas que se seguiram à revolução de 25 de abril de 1974. Anos antes, em 1970, iniciara com Jorge Sampaio, Vítor Wengorovius, Agostinho Roseta e José Dias um movimento que viria a dar origem, já em plena vigência da democracia, ao Movimento de Esquerda Socialista, por onde também passaram Ferro Rodrigues e João Cravinho.
Foi premiado pela AICA em 1985, pela Academia Nacional de Belas Artes em 2007, foi doutorado honoris causa pelas Universidades do Porto e Técnica de Lisboa, tendo ainda recebido em 2010 a Medalha de Ouro da Cidade de Lisboa e o Prémio Carreira da Bienal Ibero- Americana de Arquitectura e em 2015 o Prémio da Universidade de Lisboa. Recebeu em 1995 a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade e em 2004 a Grã-Cruz da Ordem do Infante. Distinguido várias vezes com o Prémio Valmor Municipal de Lisboa, o seu edifício na Braamcamp em Lisboa teve o raro destino de receber uma alcunha popular como “Edifício Franjinhas” (1971).
Autor de numerosos estudos, artigos e comunicações sobre arquitectura, habitação, património, território e cidadania, a sua obra foi pioneira, a sua escrita destemida e a sua vida uma história de talento, generosidade e profunda fraternidade. Pouco tempo antes de morrer, numa das últimas entrevistas que deu, dizia: “a arquitectura faz-se de dentro para fora, como o ser humano”.
A Assembleia da República curva-se perante a memória de Nuno Teotónio Pereira, acompanha a família no momento de pesar que atravessa e exorta os cidadãos a inspirarem-se no seu exemplo de probidade, fraternidade, liberdade e cidadania que marcou sucessivas gerações ao longo da sua vida.

OS DEPUTADOS DOS GRUPOS PARLAMENTARES E O DEPUTADO DO PAN



















AR, 2016-01-20

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