A Pessoa como Instrumento de Trabalho ou o Trabalho como Meio de Realização Humana?

José Mineiro começou a trabalhar antes dos 12 anos de idade à volta dos teares e reformou-se 50 anos depois. Este antigo tecelão responde imediatamente sem hesitar: -“Nunca gostei da minha profissão e sempre desejei fazer outra coisa, mas, primeiro, eu era o mais velho de 7 irmãos e, depois, vieram as responsabilidades da própria família. Nunca pude mudar de profissão!...”

Maria Isabel, profissional de cozinha, trabalhava num hotel da Covilhã com um contrato que terminava em 30 de Abril. No dia 1 de Março, chamada ao escritório, é pressionada para assinar outro contrato: “que tinha de ser, que era melhor para ela pois até passava a efectiva!”.

Só que havia uma ratoeira: o contrato, apesar de ilegal, previa 60 dias de prazo experimental e… antes desse prazo terminar chega o carteiro com uma carta registada que era, nem mais nem menos, o despedimento de Maria Isabel.

Sem qualquer aviso prévio, na segunda-feira de manhã, os trabalhadores deram como nariz na porta da empresa!

Se juntássemos todos os casos conhecidos em Portugal nos últimos anos (têxtil e confecções, construção civil, etc.) havíamos, seguramente, de contar muitos milhares de homens e mulheres, com 10, 20, 30, 40 anos de serviço, a quem forma roubados direitos e dignidade!

Estes e outros casos foram o ponto de partida para o debate que teve lugar na Covilhã neste 12 de Maio e que a seguir damos conta.

Olhar a realidade do mundo laboral à luz da Doutrina Social da Igreja


Confrontar os problemas e situações de injustiça no mundo do trabalho com os princípios da Doutrina Social da Igreja, foi o objectivo central do colóquio debate realizado no sábado, 12 de Maio, no Seminário do Tortosendo e que contou com a presença do Bispo da Guarda, D. Manuel da Rocha Felício.

Manuela Silva e Mário Murteira, professores de economia e membros da Comissão Nacional Justiça e Paz, Ulisses Garrido, sindicalista da CGTP e também da CNJP e, ainda, Virgílio Ferreira, professor e dirigente da associação Base-Frente Unitária de Trabalhadores, foram os principais intervenientes neste colóquio.

Os oradores salientaram a importância e a exigência, especialmente para os cristãos, de promover e participar em espaços de reflexão e debate que permitam “olhar os problemas à nossa volta e, também, a sociedade global, como um dever de cidadania e uma responsabilidade acrescida que resulta da nossa fé”. E falaram dos valores e ensinamentos que a Doutrina Social da Igreja aponta como imperativos de compromisso e acção para todos os crentes e para a própria Igreja como instituição.

As três dezenas de participantes (entre os quais trabalhadores de diferentes sectores de actividade pública e privada, dirigentes associativos, universitários, médicos, e reformados) acompanharam com um interesse empenhado as diferentes intervenções e o debate que se espera poder continuar.

No final dos trabalhos, o Senhor Bispo falou da importância de grupos organizados na Diocese que reflectem e pensam a partir dos problemas e das situações. Sublinhou a quota-parte de responsabilidade que a todos cabe para defender os direitos essenciais e a dignidade da pessoa, particularmente nesta região do interior onde tantos jovens e adultos não encontram trabalho com dignidade. A propósito referiu o estudo recente realizado pela Caritas Diocesana da Guarda e Salamanca que revela situações de pobreza inaceitáveis numa sociedade desenvolvida. E sublinhou ainda a importância do tema deste colóquio: “A pessoa como instrumento de produção ou o trabalho como meio de realização humana ?”

Este colóquio, promovido pela LOC- Movimento de Trabalhadores Cristãos, em parceria com a associação Base- Frente Unitária de Trabalhadores e a Comissão Nacional Justiça e Paz , foi a continuação de um outro debate em Junho de 2006, na Covilhã, ao qual se seguirão outras iniciativas.

José Manuel Duarte

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