VER A REALIDADE PARA AGIR-Debate sobre a BASE-FUT (II)

Continuação do texto de José Ricardo, um contributo para o debate das tertúlias da BASE-FUT do Porto.

11. Esta nova e reforçada economia congrega instituições religiosas, associações particulares, cooperativas e mutualidades, com conceitos muito próximos dos fundamentos auto-gestionários, na medida em que não laboram em função do lucro e da sua apropriação pelos seus detentores. É de registar a enorme valoração da sua autonomia e independência face ao poder político como aspectos positivos.

12.As decisões na economia social deixarão de ser tomadas com base em valores e princípios e passam a ser tomadas com base em critérios e objectivos mensuráveis de rentabilidade económica. Com as exigências da qualidade esses critérios estarão sustentados em políticas transparentes constituindo uma janela de oportunidade para uma participação mais democrática. Mas a tendência de introduzir o conceito de cliente, substituindo o de utente, pode trazer, a par do objectivo de conferir maiores direitos aos utentes, efeitos perversos de esquecer as necessidades das pessoas e olhar apenas para as estatísticas de rentabilidade económica.

13. A desumanização das relações sociais cresce com a tendência para considerar as pessoas como números e estatísticas e nós bem sabemos como as estatísticas são falaciosas. Se há apenas 10% de desemprego não significa que um desempregado tenha 10% de desemprego. Ele tem 100% do problema. Se cada português gasta 600€ pelo Natal, significa que muitos não gastarão nada enquanto outros gastarão bem mais.

14. A economia e o consumismo prevalecem sobre outras necessidades: artísticas, afectivas, sociais e espirituais. A manipulação sobre os nossos padrões de consumo e a manipulação dos gostos e tendências é cada vez mais refinada e científica. O reforço das nossas tendências individualistas e egoístas é uma ciência. Esta ciência de criação de medos e mitos temporários é possível pela curta memória das pessoas e pela cultura acrítica dos massmédia.
15. O controlo dos meios de comunicação social pelos grupos económicos verá o seu poder reduzido pela democratização das redes de internet que irão permitir maior liberdade de informação. Esta janela de oportunidade já deu frutos concretos, no caso da luta dos professores, e pode ser uma possibilidade de unir as pessoas cada vez mais individualizadas. A democracia participativa, pelo menos ao nível informativo dos que já estão em rede, irá ter um incremento importante.

16. O movimento anti-corrupção, fruto do parasitismo de muitos quadros dos partidos de poder e da opacidade das decisões públicas, vai ganhar novas forças com a denúncia e maior circulação de informação. Com a integração europeia, o risco do descrédito dos partidos não levará a formas de autoritarismo e é uma janela de oportunidade para uma maior participação e poder dos cidadãos e cidadãs, bem como das suas organizações..

17. No século passado, a luta dos trabalhadores pelos direitos sociais e económicos tinha um aliado poderoso: o perigo do comunismo. Muitos trabalhadores viviam essa utopia e o capitalismo cedia a muitas reivindicações ao nível da contratação colectiva para impedir o crescimento dos movimentos ideologicamente de esquerda. Com a falência dessa experiência na URSS e países limítrofes o liberalismo económico não tem oposição e aparece como vencedor aumentando a exploração dos trabalhadores e cavando o fosso entre os muitos ricos e os cada vez mais pobres.


18. A deslocalização das empresas multinacionais para outros países menos industrializados irá provocar nesses países transformações sociais como aconteceu no nosso país. Em países como Marrocos, para onde migraram muitas fábricas de vestuário, empregam mulheres que provavelmente nunca tinham tido oportunidade de uma participação social tão intensa. Esta situação não deixará de provocar transformações sociais nesses países. O capitalismo ao mesmo tempo que explorará a sua força de trabalho pode ser uma janela de oportunidade para essas trabalhadoras no caminho da sua emancipação, no seu contexto nacional.


19.. Ao nível partidário não se perspectivam grandes alterações. Se por um lado é positiva a maior participação do parlamento nas decisões do país, também nos colocam perplexidades sobre as reais motivações de algumas alianças. A próxima campanha eleitoral para a Presidência da República pode ser um momento de boa participação e debate sobre as reformas socais para uma maior justiça.

20. Os trabalhadores continuam com a mentalidade de que “alguém” lhes tem que resolver os problemas. Em último recurso é o Estado e a subsídio-dependência. A “minoria” que sempre tem dirigido os destinos das empresas e do país, promove esta dependência cultural de menoridade para melhor proteger os seus privilégios, enquanto acusa que os trabalhadores não têm habilitações, competências, dinamismo e criatividade para resolverem os seus problemas.

21. Assistimos a um tempo em que a ideologia é vista como uma excrescência, como uma doença. Vivemos numa sociedade consumista. Vivemos numa sociedade e numa igreja sem esperança que há muito esqueceu a mensagem reformista dos Concílios e das encíclicas de João XXIII e Paulo VI e excomunga os teólogos da igreja de libertação que procuram os caminhos da justiça. Estamos numa igreja vazia, dominada por uma hierarquia embrulhada em textos bíblicos duma realidade milenar e que pouco tem a ver com a rotura que representou o testemunho de vida de Jesus Cristo.

22. A inquietação pelo aumento das injustiças e desigualdades, apesar da descrença em projectos alternativos, leva-nos à procura de novas soluções. A necessidade de uma nova Esperança é premente. Como podemos participar na descoberta?

A NOSSA MISSÃO

Proporcionar aos trabalhadores e trabalhadoras espaços de reflexão e de formação, promovendo os valores da Liberdade, Participação, Autonomia, Cooperação, Justiça e Solidariedade.

Fanzeres, 03/03/2010

Sem comentários: