Nota
Prévia: Intencionalmente,
esta comunicação tem o mesmo título de
um Encontro realizado em Palmela, em
Julho de 2013, por iniciativa do Movimento da Democracia Participativa (MovDP),
do qual faço parte, e cujas conclusões constituíram a referência inspiradora
para esta comunicação.
O referido Encontro reuniu
gente de várias associações, plataformas e grupos informais, nomeadamente a
Associação 25 de Abril, cujo representante anunciou então o Projeto de
Comemorações do 40º aniversário do 25 de Abril “Vencer o medo, Reafirmar Abril,
Construir o futuro”, convidando os participantes no Encontro a cooperar com
este projeto, tendo o MovDP dado alguns contributos a esta importante iniciativa.
Assim, felicitamos hoje a Associação 25 de Abril por culminar as comemorações
dos 40 anos da revolução de Abril de 1974 com este Congresso da Cidadania,
congratulando-nos pela nossa presença aqui neste momento.
Esta comunicação foi
preparada em conjunto com alguns outros membros do MovDP, e agradeço
especialmente o contributo do Rui d’Espiney, que não pode estar presente por
motivos de saúde.
Pensar no que é hoje a
Democracia em Portugal passa em primeiro lugar por reunir um conjunto de
caraterísticas que nos dão o diagnóstico dessa grave doença de que sofre hoje a
nossa Democracia, tornada refém dos poderes que dominam a economia e as
finanças a nível mundial; subjugada por um modelo de dominação que cultiva a
subserviência face aos “Senhores da Europa” e entrega aos privados a riqueza
que é pública; muitas vezes fraturada pelas desigualdades; cada vez mais
paralisada pela exclusão dos cidadãos na construção da cidadania; amordaçada
sempre que se limitam as liberdades e se negam direitos fundamentais; também
manietada pela burocracia ou até traída pela corrupção e pelas manipulações; e,
sobretudo nos últimos tempos, sufocada pela persistente intoxicação de
discursos hegemónicos que nos massacram os ouvidos, e geram em muita gente sinais
de impotência e descrença no futuro, já que o objetivo desta estratégia é o de
reduzir as pessoas a consumidores individualistas, domesticados e dependentes.
Mas é também importante
pensarmos há quanto tempo dura esta grave doença da nossa democracia e isso
implica não ver apenas a crise que hoje pesa sobre nós e elevar o olhar para os
40 anos que já passaram depois do 25 de Abril.
Ora, um indicador que nos
pode ajudar nesta análise é o da evolução das taxas de abstenção nos atos
eleitorais ao longo de todo este período:
- Partindo do exemplo das
eleições legislativas, verificamos que as taxas de abstenção, entre 1975 e
1980, nunca atingiram os 20%, e que, a partir de então, subiram
progressivamente até acima dos 40% em 2009 e 2011.
- Com as outras eleições, a
evolução também é de uma subida das taxas de abstenção para mais do dobro,
começando esta taxa, no caso das eleições presidenciais, por ser abaixo de 25%
e subindo até aos 54% em 2009.
Parece-me legítimo
relacionar as subidas progressivas das taxas de abstenção com um crescente alheamento
e desistência das populações em relação a participarem num sistema político em
que não acreditam.
Uma
ruptura com o sistema
Em síntese, podemos dizer
que o nosso diagnóstico sobre esta deterioração progressiva da Democracia, em
Portugal, como em muitos outros países, aponta para dois níveis de
responsabilidade:
- Por um lado, o nível daqueles
que sustentam o sistema político, económico e financeiro, e que vão abdicando
cada vez mais de práticas democráticas, preferindo que a população em geral
fique afastada de muitas decisões que afetam a sociedade;
- No entanto, em conjugação
com o que acima se referiu, há um outro nível de responsabilidade pela
deterioração da Democracia, que é o dos próprios cidadãos e cidadãs, com o seu
alheamento, a sua submissão e o seu isolamento individualista face à crise que
se abate sobre nós.
Perante este diagnóstico é
urgente reagir, e isso significa uma ruptura com o sistema que mantém esta
engrenagem de círculos viciosos.
É urgente a reconfiguração
dos partidos políticos para que seja possível uma nova relação entre eles e os
cidadãos e cidadãs, de modo a que todo o povo possa ter voz ativa nas decisões
que o afetam, corresponsabilizando-se por levá-las à prática.
Esse será o caminho pelo
qual o sistema político-partidário, isto é, a Democracia Representativa, poderá
aprender a complementarizar-se com a Democracia Participativa, tornando
realidade as palavras sistematicamente esquecidas da Constituição da República
Portuguesa, quando refere, no Artº 2º, que somos “um Estado Democrático (…), visando
a realização da Democracia Económica, Social e Cultural e o aprofundamento da
Demcracia Participativa”, e quando, no Artº 9º, assume que uma das tarefas
fundamentais do Estado é “defender a Democracia Política, assegurar e
incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas
nacionais”.
Dissemos, portanto, que é
urgente uma reconfiguração das relações entre os partidos e os cidadãos.
No entanto, interativamente
com a urgência de reconfiguração dos partidos políticos, é também urgente que
se inverta a dinâmica negativa que leva a uma cada vez maior demissão das
pessoas em relação à construção coletiva da cidadania.
Mas onde poderemos encontrar
energia para este movimento de mudança?
De facto, até ao momento, a
análise do que se referimos como “a doença atual da Democracia” levou-nos a
identificar um conjunto de obstáculos, carências, limitações, defeitos, etc,
que têm vindo a empalidecer esta Democracia doente.
Nesta perspetiva, a análise
expressa até aqui tem sido predominantemente negativa.
Ora, voltando ao Encontro de
Palmela que constituiu a referência para esta comunicação, e à ligação entre os
que nele estiveram e diversas entidades implantadas no terreno, como
associações, cooperativas, grupos informais, serviços locais, autarquias,
processos de animação comunitária e de desenvolvimento local, é importante
dizer que é nestas experiências locais e comunitárias que se fundamenta a nossa
esperança numa energia geradora de mudanças no sentido da cidadania, na medida
em que aprendemos a escutar, a dialogar e a envolver-nos com muitos outros,
procurando respostas, resistindo em vez de desistir, remando contra a maré, e
encontrando força nos laços de partilha e no esforço conjunto para enfrentar os
desafios da vida.
A Democracia Participativa é
um dos pilares fundamentais deste processo de transformação.
O seu exercício começa no
nível local, nos espaços de proximidade em que se podem construir os alicerces
do diálogo e da cooperação solidária entre pessoas e entidades que têm em comum
necessidades e expetativas e se comprometem juntas na rutura com aquilo que as
oprime. A isto podemos chamar “conscientização”, projetando-se em práticas
libertadoras, democráticas e pluralistas, enriquecendo-se com a diversidade e
valorizando a dignidade de cada pessoa, de cada coletivo e de cada território.
É a partir dessa prática que
a Democracia Participativa alarga o seu olhar do local para o global, toma
consciência de que a construção da cidadania passa pela defesa dos bens
públicos e não se joga apenas na esfera política, mas também precisa de
aventurar-se em busca de alternativas culturais, sociais e económicas, à medida
que nos libertamos dos discursos hegemónicos que nos têm aprisionado, e nos
capacitamos para participar na redefinição
da identidade e da nova relação dos
poderes dentro do país e do mundo.
António Cardoso Ferreira
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