Aqui apresentamos uma intervenção de Ulisses Garrido aquando do "IV ENCONTRO NACIONAL DE TRABALHO DO BLOCO DE ESQUERDA". Ulisses Garrido é um membro da comissão executiva do Conselho Nacional da CGTP e um especialista nas àreas da Formação e da Comunicação.
O texto reflecte sobre como organizações não governamentais (ONG) podem/devem participar no debate social que tem lugar na comunicação social.
Uma primeira referência, quase como um ponto prévio: constatar o facto de que os Sindicatos – e não só os Sindicatos, também as sociedades modernas, os movimentos sociais, as organizações de esquerda – defrontamo-nos com concorrentes muito poderosos.
São poderosos, não apenas porque têm dinheiro e, se têm dinheiro, compram equipamentos e compram técnicos e profissionais que fazem coisas bem feitas, influentes, dominadoras e sedutoras mas, também, porque em matéria de comunicação foram ganhando um espaço de controlo ideológico das mentalidades que é apreciável e que se reflecte em relação a tudo aquilo que nós efectivamente fazemos e que vamos contrariando.
Há, por outro lado, hábitos consumidores: hoje, qualquer pessoa, qualquer operária jovem numa fábrica de calçado no norte de país, consome uma revista barata, impressa em papel colchete, isto é, papel brilhante, branco a cores, dos dois lados, em todas as páginas e bastante agradável e bastante acessível.
Ora, isto cria hábitos de consumo que faz com que um papel graficamente menos cuidado, de menor qualidade, cause uma reacção induzida nas pessoas que não é exactamente a mesma que quando lhes chega o papel “bonitinho”; muito haveria que dizer sobre isso, mas essa é, apenas, uma consideração.
Por outro lado, eu queria recordar esta ideia que nós somos todos comunicadores. Sim, somos todos comunicadores; mas todos somos, também, propagandistas. Para o bem e para o mal. Às vezes somos, mesmo, maus propagandistas da nossa organização, pela forma como actuamos, como agimos e isso acontece-nos. Mas, ao sermos tudo isso, somos uma comunidade muito vasta de comunicadores que só somos eficazes se, de facto, tivermos minimamente estratégia, se formos minimamente organizados, se soubermos para onde queremos ir, o que é que queremos dizer e até soubermos como é que as mensagens se passam.
Hoje, em boa verdade, a Comunicação Sindical e outras, já não é propriamente uma coisa de brincadeira. Já não é propriamente uma coisa de/com total amadorismo, embora o amadorismo seja, em toda a sua extensão, indispensável nas nossas actividades militantes.
Nós verificamos que as Organizações Sindicais foram mudando em Portugal, copiando as mudanças doutros Países, e deixamos de chamar Departamentos de Informação (DIF .s) e IPS (Informação ePropaganda Sindical) para serem, cada vez mais, os Departamentos ou as Áreas de Comunicação.
Subjacente a esta mudança, deveria estar algo de muito positivo. Deixávamos de ser unidireccionais, isto é, nós deixávamos de informar daqui para aí... Nós, enquanto emissores emitíamos coisas para os nossos consumidores de informação, para os receptores mas passávamos a ser bi-direccionais.
Isto é: por um lado, a organização dava informação mas, por outro lado, recebia feed-back,s dessa informação, impulsos que nos determinavam o tipo de comunicação que fazíamos, as mensagens, as prioridades que deveriam responder aos anseios mais profundos daqueles que são os nossos representados.
Esta circunstância não se verifica.
Não é verdade que haja este “bi-direccionamento”, este “vai e vem”. Essencialmente, a Comunicação Sindical continua a ser uma Comunicação de Organização para os seus membros, para os trabalhadores, para as opiniões publicas, que são várias, com mais ou menos eficácia. Isto significa que realmente a Comunicação como instrumento estratégico de mobilização, de envolvimento, de instrumento de participação e de democracia das organizações funciona, talvez, relativamente pouco.
Esta é uma matéria para qual, e cada vez mais, concorrem conhecimentos científicos, várias ciências interdisciplinarmente, onde há aspectos técnicos a cuidar.
É verdade que se desenvolveram os self-média. Tal como vamos ao self-service comer a refeição, também nós, hoje, temos uma pequena impressora que nos custa quase nada – pese embora os cartuchos de tinta serem caros – e, assim, podemos imprimir, podemos produzir papeis e podemos distribui-los.
É possível mandar milhares de e-mails, de um momento para o outro, há meios que são próprios, que estão ao nosso dispor e isto oferece-nos possibilidades. Mas, para que sejamos eficazes, para que seja boa a nossa comunicação, nós precisamos de ir muito mais longe.
Precisamos de saber. Precisamos de ter conhecimentos, precisamos de dominar algumas técnicas.
Não estou a dizer que tenhamos que saber tudo e de tudo, mas temos que (com) partilhar o conhecimento, o que sabemos para, assim, podermos ser eficazes. A nossa experiência nesta matéria, na minha reflexão, não é absolutamente exemplar tanto quanto me parece.
Creio, por outro lado, que somos amadores. Dentro do movimento sindical, a comunicação sindical não é entendida ao nível das técnicas de negociação, dos economistas, dos advogados. Os técnicos de comunicação são secunda rizados mesmo e enquanto técnicos profissionais. Aliás, dentro duma ideia bastante obreirista que é a de que os quadros e os dirigentes das organizações é que sabem de tudo e mais alguma coisa e, portanto, os técnicos têm pura e simplesmente que seguir aquilo que lhes dizem. Não é bem assim. Há contributos a misturar.
Também, não quero dizer que as Direcções se anulem. Nada disso: há é que potenciar as capacidades que já temos. Por outro lado, eu diria que a comunicação tem uma fortíssima componente ideológica. É um dos campos chave da batalha ideológica que travamos. Porque, é pela propaganda, pela comunicação que nós fazemos, que nós divulgamos as nossas ideias, que promovemos os nossos valores, que apresentamos as nossas propostas. Mas, também e por outro lado, que combatemos o adversário, que atacamos as propostas dos outros, que fazemos a diferença. Este papel, atribui a este sector da actividade sindical, para toda a gente, necessariamente uma importância fulcral que não está em correspondência com a realidade e com a situação de que há pouco já vos comecei a descrever.
Eu, ainda queria dizer sobre isso que há um problema, que é um problema de linguagens. Que linguagens utilizar? Hoje, há muita coisa estudada sobre isso. Mas, nós estamos no movimento sindical, cada vez mais, com uma comunicação generalista. É como os canais de Televisão: servem novelas a toda a hora. Nós fazemos comunicação generalista; para todo o pais, igual para toda a gente. Para todos os trabalhadores, dos quadros técnicos aos operários, aos jardineiros, aos trabalhadores dos transportes, aos técnicos de comunicação. Para todos iguais, para todo o país de norte a sul, Madeira e Açores.
Cada vez mais, o movimento sindical não produz, apenas reproduz comunicação sindical centralmente editada. O que significa que vale menos. Porque atinge menos o alvo, porque serve para mudar menos as pessoas, para influenciar menos as opiniões. Porque, se é mais generalista está menos agarrada à realidade, à realidade da exploração que cada um vive.
A melhor propaganda, a melhor comunicação, a melhor difusão de ideias é aquela que é feita agarrada à realidade que os grupos dos trabalhadores vivem. E essa, nós não conseguimos fazer centralmente.
E, por isso, é diferente fazer comunicação para jovens, ou fazer comunicação para reformados, só para se pôr dois extremos e compreendermos melhor. Por isso, é diferente, e pode ser específico, fazer comunicação para mulheres.
Fazer comunicação para uma fabrica que tem 1.200 operárias, ou fazer para as mulheres em geral de todo o país ou, para uma determinada região, onde as situações das mulheres são muito diferenciadas.
E, portanto, este problema é um problema que tratamos mal para o qual não temos, ainda, solução. Mas é um problema: o problema das linguagens. Além disso, os sindicalistas – a começar por mim – têm uma linguagem muito cifrada. Nós temos códigos próprios; nós entendemo-nos.
Mas, será que os outros nos entendem? Será?
Eu, durante mais de seis anos, quando nos anos 80 se tratava de defender o Sector Empresarial do Estado, eu escrevi muita propaganda que falava “é preciso defender o SEE (Sector Empresarial do Estado)” - (SEE, são três letras, cabiam, ali, num cantinho). Só que, um dia, numa reunião, apercebi-me que havia um quadro sindical eleito, com anos de experiência, que julgava que aquilo (SEE) era a Comunidade Económica Europeia. E, quando percebi isso, nunca mais escrevi SEE. Mas, confesso: estive seis anos a escrever assim. O que mostra que nós, os sindicalistas, temos uma linguagem para nós, que é um risco complicado.
Mas, atenção, não confundamos. A principal forma de comunicação dos trabalhadores não são os papéis, não são os e-mails, não são os vídeos: são as pessoas. A principal forma de mobilizar, convencer, explicar, unir trabalhadores é a falar com eles. Esse é o melhor meio de clarificação. Esse é aquele meio que me permite, ao ser interpelado pelas pessoas, fazer a clarificação.
Se eu fizer, produzir um papel, o que está escrito, está lá; se houver mal-entendidos, se não se compreendeu paciência: o mal está feito.
A comunicação oral é a mais eficaz, a mais importante, a mais massiva. E funciona quando se está com as pessoas, no café, ou à porta de empresa. Daí que nós saibamos e temos, aliás, sobre isso estudos que nos dizem que - para os trabalhadores - a imagem do sindicato é principalmente o delegado sindical eleito no seu local de trabalho. Não é o Carvalho da Silva, não são os quadros lá de cima. É o delegado sindical. O que atribui uma importância redobrada à organização no local de trabalho e um papel muito grande àquele delegado sindical que, por falta de formação, por deficiente informação - não porque não queira mas, porque não foi ajudado a ser melhor delegado sindical - falha na sua acção. Isto é Comunicação Sindical, e é uma responsabilidade enorme que recai sobre nós.
Eu, acho que nós temos uma Comunicação Sindical muito palavrosa e sem estratégia. Muitas vezes, nós não somos capazes de “orquestrar” a nossa propaganda. A propaganda emitida, a todos os níveis, tem de caminhar para um ponto estratégico, para o que nós queremos. Nós repetimos, pela estrutura abaixo, aquilo que fazemos. Com linguagem estereotipada, com slogans longos e diversos objectivos. Às vezes, os objectivos são tantos que se anulam uns aos outros, que se perdem, que não se apanha o essencial da “coisa”.
Temos um grande poder de estrutura e muitas vezes, como a estrutura é critica, fazemos comunicação para “dentro”. Fazemos um tempo de antena de televisão. O tempo de antena da televisão é apreciado pela estrutura duma maneira muito critica. A grande preocupação da produção é que a estrutura não critique. Ora, o tempo de antena não é para a estrutura. O tempo de antena na televisão é para os outros, é para todos aqueles que não são “tocados” no dia-a-dia e são milhares que nos podem ouvir e seguramente que um tempo de antena feito para a estrutura, não é o melhor para os outros todos. Mas esse é um problema não resolvido.
Nós, não temos normalmente avaliação da nossa Comunicação Sindical. Não temos avaliação, não medimos o impacto, não conhecemos os efeitos e, no entanto, até sabemos que em certos sectores a informação sindical é muito impactante, é muito conceituada, porque o patrão teme-a, e isso é bom sinal. Nós temos fraca inovação, pouca formação e pouco investimento em meios e há um conservadorismo evidente nas formas como, sistematicamente, usamos e repetimos a comunicação. E nem sequer o pessoal mais jovem tem dado grandes contributos para que as coisas andem para a frente.
Nós não temos, por exemplo, uma noção equilibrada de custos por contactos. O raciocínio é assim: quanto é que isto custa? Quanto custa, por exemplo, esta garrafa de água? Um Euro. Um euro, por uma garrafa de água, é muito caro. Só que, a quantas pessoas é que matam a sede com esta água?
Provavelmente é mais barata, esta água, do que comprar um copinho que custa só 20 cêntimos; porque a água mata a sede a muito mais gente. Ora, este raciocínio tem que ser feito em comunicação e, por enquanto, não existe.
Publicações: menos meios, cada vez menos meios, cada vez mais irregulares, sem periodicidade.
A Central não tem um único meio impresso, não tem uma publicação, não tem uma revista. O que se publica é muito denso, é pouco eficaz. Há excepções, mas as excepções são isso mesmo: excepções.
Têm muito pouco de social, têm muito de politica a roçar o partidário e, por outro lado, são pouco formativos. Não são informativos porque, como não saem regularmente, estão desactualizados e não tratam questões como, por exemplo, relações internacionais, a situação no mundo, a situação global, a união europeia.
E, os novos meios, os electrónicos - a WEB, a WEB2,os Vídeos, a Multimédia - são todos muito institucionais, não fazemos investimentos e não temos, também, massa critica.
Termino com uma ideia: como é que nós trabalhamos as relações públicas, as relações com a
Comunicação Social? Porque este é um sector fundamental.
Não é possível, hoje, um Movimento Sindical de massas que não esteja a trabalhar com a Comunicação Social. É indispensável. Mas, a Comunicação Social não é nossa. Nós, não decidimos e, por isso, temos que saber trabalhar e sabemos pouco trabalhar. É evidente que a CGTP até tem, do meu ponto de vista, uma boa penetração em credíveis Órgãos de Comunicação Social. Mas, não chega porque, normalmente, respondemos a solicitações, porque pouca iniciativa temos. Somos pouco profissionais a trabalhar com os média e, nesse sentido, muitas vezes temos medidas sem qualquer impacto. Somos vítimas da Comunicação Social personalizada. Só conta o Carvalho da Silva, o Secretário-geral é que interessa. Se não for o secretário-geral já não querem lá ninguém e isto não é bom para uma organização sindical.
E, por outro lado, há ainda o governo pessoal das estratégias de cada um, ou seja: cada dirigente tem os seus contactos, os seus jornalistas conhecidos.
Enfim, é difícil gerir tudo isso mas, sobretudo, é muito mais difícil porque somos demasiado amadores.
Qualquer comunicação devia basear-se em estudos de opinião. Nós devíamos saber o que é que pensam os trabalhadores, o que é que querem, o que é que anseiam, o que é que desejam. Nós, não sabemos. O que sabemos são o resultado de reuniões de colectivos, onde se fala em nome dos trabalhadores, o que os Trabalhadores querem e desejam.
Mas, querem como? Há, porque fizemos plenários. Quantos? Dez... e quantos é que se poderiam ter feitos? Trezentos... Fizeram-se dez plenários e quantos trabalhadores lá estavam. Estavam mil. Mas, deveriam ser dez mil. E, dos que lá estavam, quantos falaram? Poucos. Então, e dos que falaram houve divergências? Foi, tudo igual...
Então, é assim que nós sabemos o que é que os trabalhadores, todos os trabalhadores, pensam?
Não há sondagens, não há estudos de opinião, não há nada. E isso é extremamente errado para trabalhar em termos de comunicação sindical.
Noutros sítios já se trabalha diferentemente e o meu esforço é no sentido de corrigir muitas dessas coisas porque tenho uma leitura suficientemente critica sobre a realidade para querer necessariamente mudá-la.
Texto de Ulisses Garrido
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