A LUTA CONTRA A PRECARIEDADE É UMA LUTA PELA DIGNIDADE!

A Comissão para os Assuntos do Trabalho da BASE-FUT debateu na reunião da Marinha Grande, no passado mês de abril, as causas e consequências da precariedade, propondo algumas linhas de ação a desenvolver no presente:

«A estabilidade no trabalho – isto é a existência de uma relação de trabalho de duração indefinida e regulada por um um conjunto de direitos e garantias que protegem o trabalhador – não é um dado natural das relações laborais. É antes uma conquista civilizacional pela qual os trabalhadores e a suas organizações se tiveram de bater arduamente ao longo de décadas. Mais ainda, a estabilidade no trabalho é uma conquista incompleta e frágil. Incompleta, porque a estabilidade no trabalho nunca foi nem é regra em vastas áreas do globo. Frágil, porque a estabilidade no trabalho atenua seriamente um dos mecanismos fundamentais do capitalismo – a exploração do trabalho – estando a sua manutenção sempre dependente da capacidade dos trabalhadores e das suas organizações de forçarem a criação, melhoramento e aplicação de quadros legais de proteção laboral e de sensibilizarem a sociedade para a sua «desejabilidade».
Nas últimas duas décadas, assistimos a um novo ciclo de precarização do trabalho – isto ao crescimento do número de trabalhadores que não é ou é apenas parcialmente abrangido pelos mecanismos de estabilização das relações laborais. As formas de precarização do trabalho são diversas e surpreendem por vezes pela sua criatividade – “falsos” recibos verdes, bolsas e estágios são apenas alguns dos exemplos. Este ciclo não surge também ele por acaso. Antes corresponde à implementação do projeto político e económico neo-liberal, para o qual o agravamento do desequilíbrio de poder nas relações laborais é um elemento central.
Com efeito, tal desequilíbrio permite o estabelecimento de uma relação desigual. Por um lado, favorece a transferência de rendimentos do trabalho para o capital, através da intensificação da exploração do trabalho – seja através da repressão salarial, do aumento do horário e dos dias de trabalho ou da. Por outro lado, possibilita a transferência dos riscos inerentes à atividade económica do capital para o trabalho – seja pela facilitação dos despedimentos ou pelo evitar do pagamento de contribuições para a segurança social.
Os efeitos sociais e económicos do recrudescimento da precariedade no trabalho são profundos e fazem-se sentir em múltiplas áreas da vida individual e coletiva. Os trabalhadores precários estão mais exposto a piores condições de trabalho, auferem de salários mais baixos, beneficiam de menor proteção no desemprego e na doença. Estão também sujeitos a carreiras contributivas mais irregulares, com consequências que se farão sentir nas suas pensões. A precariedade também se constitui como um fator de discriminação no acesso ao crédito para satisfação de necessidades básicas – como a habitação – e compra de bens de consumo.

Precariedade prejudica o futuro dos trabalhadores

Uma sociedade com elevados níveis de precariedade no trabalho põe em causa a sua própria reprodução. Ao reduzir a incapacidade de os trabalhadores projectarem o seu futuro e ao favorecer o desequilíbrio entre a vida familiar e a vida profissional, a precariedade acarreta uma pressão sobre a natalidade. No plano cívico, a precariedade promove o isolamento e o individualismo, dificultando a ação coletiva e a participação cívica e assim enfraquecendo a vida democrática. No plano económico a subtração ao pagamento de contribuições põe em causa a sustentabilidade da segurança social, que é em Portugal um mecanismo fundamental de redistribuição de riqueza.
Mas também as consequências da precariedade para as próprias empresas devem ser objeto de consideração. Ao encorajar a rotação elevada de trabalhadores, a precariedade desincentiva o investimento na formação profissional. Ao favorecer a intensificação da exploração do trabalho, a precariedade ajuda à persistência e reprodução de modelos de organização do trabalho autoritários e obsoletos. A precarização do trabalho é assim também um enorme obstáculo à inovação na esfera produtiva e tem consequências nefastas para a produtividade e sustentabilidade de longo prazo das empresas e para o desenvolvimento económico do país.

Desemprego fomenta a precariedade

Reconhecendo que nada há de inevitável na tendência atual precarização, é necessário no entanto não perder de vista as transformações das últmas décadas no mundo do trabalho e compreender a forma como alimentam tal tendência. Em particular, a possibilidade de que a expansão da automatização e robotização da produção possa gerar níveis elevados de desemprego mais ou menos permanentes. Com efeito, nas circunstâncias atuais, este quadro é altamante favorável à precarização do trabalho, funcionando o desemprego como um meio de pressão sobre os trabalhadores e suas organizações para a aceitação de condições de trabalho altamente desfavoráveis.
É assim necessário iniciar uma discussão pública alargada sobre o eventual estabelecimento de um rendimento mínimo universal e incondicional. O objetivo central desta medida seria a promoção da desmercadorização do trabalho. Com efeito, um rendimento mínimo incondicional permitiria que o trabalho deixasse de ser uma mercadoria vendida para assegurar a sobrevivência do trabalhador para se tornar antes um meio de realização pessoal e de contribuição para a comunidade. Ao mesmo tempo, diminuiria fortemente o potencial do desemprego enquanto mecanismo de compressão de salários e de degradação de condições de trabalho
No entanto, esta discussão de fundo não deve fazer perder de vista o combate mais imediato à precariedade. Continuam a ser tarefas fundamentais para as organizações de trabalhadores:


  • ·         Lutar pela reforma da legislação laboral no sentido de penalizar fortemente os empregadores que recorram ao trabalho precário;
  • ·         Denunciar sistematicamente situações de precariedade bem como os abusos sobre os trabalhadores que dela decorrem.
  • ·         Pressionar o Governo para que dote os organismos públicos – em particular a Autoridade para as Condições de Trabalho – de meios que permitam uma aplicação efetiva desta legislação;
  • ·         Sensibilizar a opinião pública para a dimensão e para as consequências sociais, políticas e económicas da precariedade no trabalho;
  • ·         Desenvolver novas formas de intervenção e de ação coletiva adequadas à realidade laboral dos trabalhadores em situação de precariedade.

Neste contexto, a BASE-FUT saúda a iniciativa da CGTP-Intersindical de lançar uma campanha nacional contra a precariedade e aguarda com expetativa os seus resultados. Pelo seu lado, a BASE-FUT continua a entender a luta contra precariedade como um elemento central da sua ação junto dos trabalhadores e continuará a levar a cabo iniciativas de sensibilização e denúncia desta realidade, bem como de apoio à organização dos trabalhadores precários – na senda, de resto, do trabalho de apoio ao Sindicato dos Trabalhadores de Call-Centers que tem vindo a ser realizado. 

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